Em 1999, no National Institutes of Health, R. Douglas Fields e Beth Stevens
realizaram uma experiência com cultura de células do tecido nervoso, e verificaram
que, para além dos neurónios, as células de Schwann, um dos tipos de células de
glia, também interagiam com os neurónios e estavam envolvidos na transmissão de
informação por via não eléctrica.
Desde o século XIX até recentemente, o
estudo da actividade cerebral e distúrbios de ordem neurológica baseavam-se na
chamada neuron doctrine, isto é, a
ideia de que o neurónio era a unidade básica funcional do sistema nervoso,
transmitindo toda a informação através de impulsos electroquímicos. Porém, os
neurónios constituem apenas 15% das células do cérebro, enquanto as células de
neuroglia são uma maioria absoluta, 85%.
As células da glia que fazem parte do
tecido nervoso desempenham inúmeras funções. Os astrócitos são célula de glia
que transportam neurotransmissores, e as suas projecções citoplasmáticas envolvem
os vasos sanguíneos no cérebro, formando uma barreira hematoencefálica
selectiva, através da qual passam os nutrientes para os neurónios e são
removidos os resíduos do metabolismo celular. Também regulam o fluxo sanguíneo conforme
as necessidades do tecido nervoso. Os oligodendrócitos são responsáveis pela
produção de mielina, o isolante eléctrico de natureza lipídica que se deposita
e envolve os axónios, acelerando a transmissão do impulso nervoso, que assim se
torna até 50 vezes mais rápido. Enquanto estas células se localizam no Sistema
Nervoso Central, envolvendo vários axónios neuronais com os seus prolongamentos
celulares, no Sistema Nervoso Periférico a mielinização dos axónios é feita
pelas células de Schwann, que se localizam à volta do axónio mielinizado. Por
sua vez, as células de microglia estão envolvidas na resposta inflamatória e
reparação de danos celulares, removendo as células mortas de tecido. De um modo
geral, a neuroglia executa funções de housekeeping
– manutenção do tecido nervoso num estado funcional e saudável.
Para além destas funções, foi também descoberta
a capacidade das células de glia de participarem em processos de transmissão de
informação no cérebro. Assim, os astrócitos comunicam com os neurónios
quimicamente por meio de neurotransmissores e são também responsáveis pela
comunicação entre regiões distantes do cérebro, participando ainda nos
processos cognitivos complexos, como a memorização e a aprendizagem. Os
astrócitos conseguem aumentar a intensidade dos impulsos eléctricos nos axónios
libertando neurotransmissores. Por exemplo, a comunicação química entres as
sinapses na área do hipocampo é essencial para o bom funcionamento da memória
e, consequentemente, torna-se crucial para a capacidade de aprendizagem de
qualquer ser humano.
Visto que estas células são a garantia
do bom funcionamento do sistema nervoso, muitos distúrbios e doenças
neurológicas e até algumas patologias psicológicas tem origem ou estão
relacionadas com a neuroglia. Por exemplo, a degeneração de microglia pode
estar relacionada com a demência na doença de Alzheimer – quando a microglia
deixa de exercer as suas funções, o tecido nervoso começa a acumular
substâncias tóxicas que levam à sua degradação. Outro caso é o das lesões na
medula espinhal que levam a paralisias. Através do bloqueio de algumas
proteínas associadas à mielina produzida pelos oligodendrócitos pode-se induzir
a recuperação deste tipo de lesões. Também se sabe que os oligodendrócitos e os
astrócitos podem ser os responsáveis por alguns casos de esquizofrenia e
depressão.
Em
suma, as células de glia não só são cruciais para a manutenção da homeostasia
no sistema nervoso, mas participam activamente nos processos cognitivos
complexos, e o seu estudo pode revelar os mecanismos de muitas doenças e
patologias associadas ao tecido nervoso. Neste novo paradigma os neurónios e as
células de glia funcionam de forma diferente, mas a sua cooperação proporciona
ao cérebro as suas espantosas capacidades.
Belerofonte (pseudónimo) e o seu grupo de MEBiom do IST