Plasticidade Sináptica (uma abordagem bioquímica)


Introdução
A plasticidade sináptica, postulada inicialmente por Donald Hebb, constitui uma base celular para aprendizagem e memorização. Pode ser descrita como a alteração de eficácia sináptica ("peso da sinápse" que une os dois neurónios)8,21 – estima da contribuição sináptica para o potencial pós-sináptico excitatório (PEPS).  O peso da sinapse depende de factores pré-sinápticos e pós-sinápticos, por exemplo, da ocorrência simultânea do potencial de acção e da frequência com que esta sincronização ocorre. (Neste processo, o momento e a frequência do potencial de acção que ocorre no neurónio pós-sináptico são determinantes.)
Desta forma, com alteração de eficiência sináptica podemos modificar a atividade neuronal. A plasticidade sináptica manifesta-se sob a forma de reforço de sinapses entre neurónios activados simultaneamente (Regra de Hebb)25 e/ou supressão na ausência desta encadeação (Regra de Oja), podendo ser de longa ou curta duração27.

Mecanismo de Plasticidade Sináptica
A LTP (long-term potenciation) é desencadeada por estímulos de alta frequência - 40-300Hz - (Mackay; Bliss e Lomo) ao contrário de LTD (long-term depression) que resulta de estimulação de baixa frequência - 1-5Hz 1,11,20.
O mecanismo de LTP baseia-se na libertação de glutamato, na sequência de despolarização do neurónio pré-sináptico e a despolarização do neurónio pós-sináptico: através do desbloqueio de NMDA e a entrada de Ca2+ na célula pós-sináptica por via de complexos VSCC (voltage-sensitive Ca2+ channels) e NMDA (N-metyl-D-aspartate)23 (ver fig.1)13,18,21,27, ativa-se mGluR que irá desencadear uma cadeia de reações metabólicas mediada por uma proteína G. Consequentemente, o retículo sarcoplasmático liberta cálcio, cujo aumento de concentração intracelular conduz à ativação de quinases (CaMKII, PKC, fyn-trosina quinase)21,22,27,35, e à fosforilação das proteínas da membrana. Disto resulta a maximização de correntes dos recetores AMPA e NMDA. (A ativação de CaMKII também leva a exocitose de novos recetores AMPA34,38).
Também é possível a maximização sináptica. O processo depende de CREB (cAMP responsable element building protein), ativado com o aumento da concentração de cálcio no núcleo, e modela a expressão genética e a síntese proteica6,35. Existem dois períodos de fosforilação de CREB e da expressão génica, na altura de estimulação, e 3-6 horas após a estimulação35. Igualmente é possível a síntese de NO, que atua como um transmissor retrogrado no terminal pré-sináptico, aumentando a sua própria libertação35,40.
Estimulação de baixa frequência promove baixa concentração de cálcio intracelular, e ativa, preferencialmente, as fosfotases (calcineurina e PP1). O processo leva à diminuição de eficiência sináptica (LTD) e inverte os efeitos de LTP por desfosforilação de proteína GluR1 nos recetores AMPA, diminuindo a condutância dos canais, com consequente diminuição da amplitude de PEPS40.Quando o nível Ca2+ é baixo, este liga-se a calmodulina e ativa a calcineurina (PP2B). Sequencialmente, aumenta a atividade de PP1 que funciona como inibidor de recetores AMPA e CaMKII, levando à endocitose de recetores AMPA21,22,35.
Evidências experimentais sugerem que é necessário ter em conta a sequência de ativação pré e pós-sináptica. Pois, a ativação pré-sináptica e posterior despolarização do neurónio pós-sináptico levam a grande fluxo de Ca2+ e LTP. Por outro lado, se a ativação pós-sináptica anteceder o potencial de ação pré-sináptico, a entrada de cálcio é reduzida e ocorre LTD. Esta propriedade é conhecida como STDP (spike timing-dependent plasticity)39 e deve-se à necessidade de deteção simultânea de eventos pré-sinápticos (libertação glutamato) e pós-sinápticos (despolarização da célula com consequente libertação de Mg2+ dos NMDAs) para a entrada massiva de Ca2+e indução de LTP38. A assimetria temporal permite uma aprendizagem sequencial e previne modificações absurdas.
Assim, o Ca2+ intracelular é o principal regulador de plasticidade sináptica, e a indução de LTP/LTD depende de atividade relativa de quinases e fosfotases. As duas formas de modificação de eficácia sináptica permitem a execução de tarefas complexas como aprendizagem e memorização9,16,1, cooperando para modificar o estado funcional das redes neuronais no cérebro.

Anastasiya Strembitska, Inês Silva,  Rafeel Lopes, José Leitão, Sara Cartaxo
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