Sandra Macedo Ribeiro, investigadora principal no IBMC .
Quando um gene é codificado, dá geral e inequivocamente origem a uma única proteína. No entanto, nem sempre é assim. Os fungos patogénicos, do género Candida, vivem com um código genético – relação entre a sequência de bases no DNA e a correspondente de aminoácidos, na proteína – atípico e ambíguo, ou seja, “o mesmo tripleto vai dar origem a duas proteínas”, segundo explicou, ao «Ciência Hoje», a cientista Sandra Macedo Ribeiro.
Investigadores do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) da Universidade do Porto e do Departamento de Biologia / CESAM - Universidade de Aveiro acabam de publicar um estudo, no último número da revista PNAS, que ajuda a clarificar questões sobre a biologia destes fungos, que há muito intriga a comunidade científica.
“Aquilo que nos tem intrigado particularmente era tentar perceber como é que um gene origina duas proteínas colocando, na mesma posição, dois aminoácidos diferentes, de forma a não serem nocivos para a célula”, continuou a cientista do IBMC. A versatilidade do código genético, descoberta durante os últimos 40 anos, em bactérias, fungos e organismos ciliados foge às regras. A equipa descobriu que “os genes destes fungos evoluíram de tal modo que as suas proteínas não são destruídas pela alteração das regras do código genético”.
Os fungos do género Candida traduzem de forma ambígua as mensagens codificadas nos seus genomas. A coordenadora da equipa do IBMC sublinhou que a partir de agora “é possível perceber como as proteínas são ambíguas e podem ajudar no processo de infecção” e essa informação poderá ser “aplicada em novos alvos terapêuticos, especialmente, em infecções de C. albicans”.
Estrutura tridimensional da seril-tRNA sintetase de C. albicans
O complexo estudo da estrutura das proteínas destes fungos, levado a cabo pelas duas equipas do Porto e de Aveiro, permitiu perceber que estes organismos não eliminaram ao longo da evolução o factor que leva à leitura ambígua dos genes, optando por estratégias subtis de adaptação a tal ambiguidade.
“Já sabíamos que os genes de C. albicans eram traduzidos de forma ambígua, mas não sabíamos como é que as suas proteínas toleravam tal ambiguidade. Os novos estudos revelaram uma flexibilidade desconhecida dos mecanismos de evolução dos genes e mostraram como a sua reestruturação permite aos serem vivos sobreviverem e adaptarem-se a condições caóticas, abrindo novas perspectivas para se compreender a capacidade de sobrevivência a eventos genéticos catastróficos”, avançou ainda, em comunicado, Manuel Santos, investigador da UA responsável pelo estudo.
Manuel Santos, Investigador no CESAM e co-autor.
É importante perceber que no caso da C. albicans, um tripleto poderá dar origem a dois aminoácidos diferentes – serina ou leucina – e um está normalmente na superfície das proteínas (serina) e a outra no seu interior, continuou Sandra M. Ribeiro.
Segundo os autores, os segmentos sujeitos a ambiguidade foram relocalizados para zonas dos genes que não causam alterações estruturais ou funcionais dramáticas nas proteínas por eles codificadas, com excepção de algumas situações raras.
“A Candida albicans manteve alguns desses segmentos em locais essenciais para a regulação de vias de sinalização relacionadas com a virulência”, adiantou ainda. Este facto parece indicar que a ambiguidade pode ajudar o fungo a alterar a forma e função das proteínas de acordo com as condições do meio ambiente ou com as necessidades específicas do processo de infecção. “Pode haver uma alteração na taxa de incorporação dos aminoácidos, quando integrados em ambientes estranhos e o fungo poderá tornar-se mais resistente ou, pelo menos, mais virulento”, ressalvou a investigadora do IBMC.
C. albicans
É um fungo oportunista que causa infecções humanas (essencialmente orais e genitais) conhecidas por candidíase, que são comuns em pacientes imunodeprimidos, como é o caso de doentes de HIV, pacientes oncológicos, idosos, etc. Para além do interesse teórico, o trabalho revela novas facetas da biologia destes fungos que poderá ajudar a comunidade científica a compreender melhor a biologia da infecção destes fungos.
2011-08-10
Por Marlene Moura